[HOME] [FAVORITOS] [TWITTER] [TWITPIC] [YOUTUBE]

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Os Ensaios

“Os ensaios deixam de ser uma rotina para adquirir transcendência. Sim é preciso amar, sofrer, viver nos ensaios, é preciso dar tudo o que temos transmitir aos gestos, às palavras, às inflexões, toda a nossa potente vida interior”. (ZIEMBINSKI)


É nos ensaios que o autor vai experimentando de forma pulsante a tentativa de encontrar um tônus aos gestos comuns, num dizer onde os gestos falem mais do que as palavras sociais. É a partir daí que ele inicia a sua busca pelo encontro de um corpo consciente, presente, ”nu”, liberto dos padrões estéticos. Não é simplesmente o gesto externo, é preciso uma busca mais profunda com o seu “EU” interior; não é fácil conseguir quebrar padrões estéticos de formas e belezas externas e internas impostas pela sociedade desde o nosso nascimento. Então o ator começou pelo mais simples, porém o mais exposto e visível: a sua pele, o seu rosto, a sua aparência.

Já faz um longo período que o ator vem nesta busca e pode-se dizer que já percebe-se o pulsar da mudança em seu corpo, não só externamente, mas, também, internamente e organicamente.

Nesse período o ator vem desenvolvendo inúmeros trabalhos voltados para um corpo consciente e presente, através dos fragmentos textuais que irão compor o espetáculo ‘O vendedor’, em locais diversificados com diferentes públicos.

Em fevereiro, foi o início dos ensaios focados na produção do espetáculo. Os ensaios passaram a acontecer unicamente dentro do espaço do teatro do Kaos na cidade de Cubatão. No primeiro momento, eram apenas exercícios físicos, algumas aulas de dança contemporânea, aulas essas que o ator desenvolvia no espaço do Núcleo Athos em Santos, com a orientação da professora e coreógrafa Mirian Carbonaro, em contato com a dança flamenca, também dentro do teatro do Kaos, só que em dias distintos dos ensaios, e também, preparação muscular de forma indireta, sem a obrigação técnica, mas sim vivências e experimentações.

Neste início, a presença em meio a essas experimentações era apenas a do ator. Como os fragmentos de textos que irão compor o espetáculo giram em torno de um universo de críticas sociais conduzidos apenas por um personagem, os ensaios, ainda em um encontro solitário, caminham na busca desse personagem, como ele se movimenta, caminha, fala, veste-se, comporta-se e como ele relaciona-se com o público. Seguindo esse raciocínio segue-se em busca de características estéticas relacionadas ao processo da construção do personagem. A concepção cênica que o ator encontra nas suas primeiras referências estéticas fez com que o ator mudasse o seu olhar sobre o corpo deste personagem: o expressionismo, o teatro essencial e o teatro pobre de Grotowski.

Através das referências estéticas e dos fragmentos textuais, cria-se a simbologia entre o personagem e o grito do homem (cidadão). Na verdade ele se desconstrói, plurifica-se em diversos outros personagens.

As referências estéticas passam a nortear o processo de montagem do espetáculo. Os ensaios vão intensificando-se e começa a surgir a necessidade de elementos cênicos. Surgem os primeiros objetos: o banco e a mala, que provocam no ator descobertas corporais ainda não experimentadas. Com o surgimento desses elementos cênicos, o ator encontra mais uma vertente, já que num universo expressionista os cenários e objetos não são apenas meros adereços, panos de fundo, mas sim elementos que participam da ação como se fossem personagens mudos.

Na busca pela relação com os objetos o ator se vê livre para conceituar, dando assim vida própria para ambos. A mala passa a tomar corpo e peso, levando a que o ator adquira gestos não estudados até o momento. Desta forma o ator, através de uma espécie de brincadeira, inicia a sua busca por um gestual consciente. É nesta brincadeira que o autor segue incansavelmente, atrás do dizer sem palavras. Para Grotowski o corpo vem primeiro e logo em seguida a palavra. Palavra essa que nasce do corpo e, portanto, não poderá ser usada corretamente se o ator não estiver preparado corporalmente, sendo um clichê de declamações. Assim o autor segue nos ensaios ainda sozinho, tentando tornar orgânica a ação do gesto em relação aos objetos. Neste momento de tentativas, a repetição dos movimentos, dos gestos que vão norteando e estimulando as velocidades do corpo. Nesta brincadeira de vai e volta que vai sendo organizado e desenhado o gesto. Gesto esse que vai se tornando partitura para a composição do corpo da personagem.
O banco e a mala tornam-se peças fundamentais dentro do espetáculo, pois são eles que estruturam e criam o espaço cênico, onde o personagem transita. A mala como em um passe de mágica deixa de ser apenas uma para se tornar quatro. Essa transformação só é possível porque as malas são dispostas de maneira que cada uma permaneça dentro da outra e por fim todas as malas menores já acopladas dentro da mala maior, que mostra-se como apenas uma. Toda essa intervenção que acontece com as malas faz com que o ator se movimente em um ritmo acelerado, exigindo dele uma percepção maior sobre o todo, (espaço cênico). A velocidade vai unindo-se aos gestos que vão aglomerando-se com as repetições dos mesmos. Partindo dessas uniões, configura-se um corpo deformado, único, orgânico, com expressões exageradas, construindo-se um universo de poesias, de gestos livres, do cotidiano. Todas essas relações corporais, que vão tornando-se latentes no corpo do ator, passam também a estar presentes na sua fala, que através de nuances, tons, velocidades, ruídos: a voz passa a ser mais do que fala, ela começa a ser alma.


O ator carrega com ele todas as suas experiências de vida para o palco e é através dessas experiências que baseia-se para trabalhar o seu personagem, transitando pelo universo expressionista e do teatro essencial, onde o ator é criador de si mesmo e nenhum dos gestos é vazio ou colocado de graça; todo gesto estará sempre calcado de dizeres por mais que estes não venham alimentados de palavras.


Durante esse primeiro momento o ator desenvolve sua pesquisa relacionando-se somente com o espaço físico, o seu corpo e os objetos, o banco e a mala ou podemos dizer que as malas possam criar o espaço. Durante esse jogo de buscas e encontros através dos gestos, do corpo chegou-se um momento em que o ator passou a sentir-se vazio e repetitivo no sentido de falta de estímulos internos, pois até o dado momento as buscas partiram apenas do interno orgânico. É neste momento que ele sente a necessidade de buscar estímulos externos, então convida o contra baixista Luciano Almeida.

O convite ao contra baixista é feito devido o ator conhecer sua pesquisa musical, que parte da percepção do corpo do indivíduo em sociedade.

A necessidade de um estímulo musical é fazer com que se torne mais comunicativa a relação dos objetos, ator e público. A partir deste momento, com a presença da música, a movimentação vai tomando mais cor, a música passa a ser construída dentro de uma estrutura de improvisos que é estimulada pela ação do ator, da palavra e da leitura dos fragmentos, de modo que a música esteja sempre ligada ao ritmo do ator e o ator ao ritmo da música pulsante ,viva , presente .


“O ator se capacita para artificialidade e a elaboração formal, aprendendo antes, de mais nada a superar os limites do cotidiano e o naturalismo psicológico, para conseguir, depois a expressividade total a única que pode estar em condições de restituir o ator total.” (GROTOWSKI,1971, p.168)



Com a música unida aos exercícios, algumas ações corporais passam a surgir não mais pela relação com os objetos ou fragmentos textuais, mas pela visualização que é causada pelo estímulo musical. A música deixa de ser sonoplastia para se tornar partitura de pesquisa da construção dos gestos.

Mesmo com o músico fazendo parte do processo, os momentos individuais do ator continuam acontecendo, pois para ele esses momentos solitários são de fundamental importância. Sozinho, o ator consegue dedicar-se, não em encontrar novos gestos, mas sim em elaborar e executar exercícios físicos, técnicos que farão com que ele desenvolva maior preparo físico e psíquico para o encontro do tônus de um corpo consciente, presente e nu dos padrões estéticos.

O teatro, é uma arte viva, por isso é necessário quebrar as amarras, o corpo precisa estar livre. É essa a sua busca, a busca por uma anatomia diferenciada, pois o seu corpo é seu único e verdadeiro material de trabalho. Todas as suas possibilidades estão em seu corpo, na união da palavra, gesto, mente, corpo, matéria, alma, espírito, interno e externo, que se unem ao corpo que é vida.

0 comentários:

Postar um comentário


 
© 2010 - O VENDEDOR - All rights reserved. Contato: ovendedor.soak@gmail.com