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terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

A construção da personagem

Para Stanslawiski, familiarizar-se com um personagem começa com as primeiras impressões da leitura do texto.
Neste trabalho, a criação do personagem ‘O vendedor’ surge de maneira intuitiva, junto com a criação do texto, dentro de um universo de experimentalismo, à medida que o ator cria novos fragmentos, configura-se um corpo.
Com alguns fragmentos definidos os ensaios ganharam outro ritmo, foi nesse período que lembranças e imagens passaram a habitar de forma intensa a imaginação do ator fazendo com que ele visualizasse situações do qual ele apreciara diversas vezes.
Situações que serviram de estímulo para a criação do personagem, eram situações que já estavam inseridas nos fragmentos, mas não de maneira explícita como as que o ator presenciara.


O ator passou toda a sua adolescência e início de sua vida adulta trabalhando em feiras livres, vendendo verduras e legumes na cidade de Cubatão. Foi nas feiras livres que pôde observar ao longo dos anos situações e indivíduos que serviram de material para a construção dos fragmentos e a criação do personagem. Dentro de todas essas observações de miséria, riqueza, pobreza, mendigos, pedintes, drogados e contadores de histórias malucas, dois indivíduos chamaram a atenção do ator de um jeito especial.
O primeiro foi um senhor alto, magro, com os cabelos cumpridos, vestido com um paletó branco sujo, que costumava aparecer às quintas feiras na feira com várias malas. Ele posicionava-se no canto de uma barraca e começava a dizer versículos da bíblia como um poeta, e após recitá-los ele os interpretava para o público que caminhava pela feira e questionando-os. Muitos ficavam irritados com a presença do homem, outros fingiam que não estavam ouvindo e nem vendo. O que havia era um pré-conceito que os impediam de enxergar e ouvir a verdade.
O segundo era um rapaz novo de aproximadamente vinte e cinco anos, estatura média, negro, barba por fazer e os cabelos cumpridos, sujos, como se estivessem colados com chiclete. Esse rapaz circulava por todas as feiras da cidade, mas diferente do outro, ele não recitava versículos, ele contava histórias e pedia dinheiro. O engraçado é que ele se vestia parecido com o outro sujeito, com paletó azul marinho, calça social escura e um chinelo velho. O único dinheiro que ele sabia pedir era uma moeda de dez centavos. Ele nunca pedia outro valor.O ator nunca perguntou o nome deles, pois ele sempre achou que se aproximasse demais deles para saber um pouco mais de suas vidas o seu olhar mudaria, deixaria de olhar para eles como poetas e passaria a observá-los com um olhar de pena, dó.O Impressionante para o ator era que ambos mesmo vivendo naquela situação hostil, demonstravam-se felizes e desapegados com as coisas do mundo. Tudo o que eles possuíam parecia estar ali em seus bolsos ou em suas malas.


Foi a partir dessa essência, aparência e maneira de cada um deles se vestirem que o ator buscou utilizar-se para a criação do seu personagem. Não se está falando na maneira de cada uma falar, gestos ou modo de andar, mas a capacidade interna que o ator pôde sentir em cada um deles de viverem livres. Liberdade essa que parece impossível de se alcançar por nós, cidadãos comuns em uma sociedade capitalista.

O ator buscou através de uma espécie de desconstrução, desconstruir-se, deformando a sua aparência enquanto ator-cidadão. Isto bem antes de ter alcançado toda a estrutura do espetáculo com o intuito de conseguir criar algum tipo de reação com o meio em que ele vive referente à sua nova aparência. Algo que fosse capaz de causar nele algum tipo de sensação, que pudesse de alguma maneira fazê-lo sentir-se próximo daqueles do qual havia estudado para construir o espetáculo.
A criação do personagem se construiu e se mantêm em eterna construção, assim podemos ver no corpo do ator a tentativa pela liberdade na construção do gesto e o desapego às formas comuns (estéticas), buscando sempre trabalhar sobre os pilares do avesso, o interno, com a tentativa de florescer o homem bicho, o macho/fêmea o orgânico.

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